Há pelo país um número nada desprezível de magistrados sindicados por suas atuações jurisdicionais, punidos ou às vésperas de sê-los, cuja razão são suas atuações com vieses humanistas entendida pelos órgãos de controle como faltas disciplinares graves a ponto de lhes impor, em alguns casos, a defenestração da atividade judicante. Os magistrados humanistas são aqueles seres que, no caso concreto, afastam-se da dogmática jurídica e decidem com observância de sua visão de mundo que contempla os interesses, potencialidades e faculdades do ser humano. Na seara penal esses comportamentos dos juízes são mais frequentes, tanto no processo de conhecimento quanto na execução da pena. Flexibilizar a letra frita da lei para contemplar uma situação concreta de forma mais benigna ao delinquente inspirado no senso de justiça ou na possibilidade de sua ressocialização norteiam o atuar típico desses julgadores.
A missão de julgar é espinhosa. O famoso jurista italiano Francesco Carnelutti afirmava que o juiz, para sê-lo, necessitava ser mais que um homem. Teria que ser um indivíduo que se aproximasse de Deus, em razão da importância e dignidade de sua missão. Jesus, conforme narra o apóstolo Mateus, advertia para a dura função de julgar para que não se julgasse o semelhante para não ser julgado porque, com o juízo que se julgasse, e com a medida que se tivesse medido, haveria de ser medido. Assim, o ato de julgar é uma operação complexa, ordinariamente alicerçada no arcabouço jurídico que, não raro, não contempla justiça a determinados casos concretos. É nessa ocasião que nasce o juiz humanista emprestando sua sabedoria à justiça.
Com lucidez aplaudível, o eminente desembargador Paulo Afonso Brum Vaz, em primoroso artigo, diz que “há, na arte de distribuir a justiça ao caso concreto, uma variável nem sempre observada, que impõe ao magistrado um agir conforme a ética da responsabilidade universal, que se pauta na necessidade de procurar atender aos interesses daqueles que mais necessitam, de cuidar para que sejam também felizes e de zelar pelo seu bem-estar. O juiz, enquanto membro da sociedade, tem, ainda com maior intensidade, a responsabilidade de cuidar dos outros, incumbe-lhe, em outras palavras, o redobrado dever de zelar pela qualidade de vida de cada membro da nossa sociedade”. Que lição lapidar de justiça!
O Juiz de Direito, João Matos, da Vara de Execuções de Macapá, recentemente, foi alvo da espada, instrumento corto-contundente e afiado do CNJ. Sua atuação humanista na função jurisdicional incomodou os dogmáticos que pouco se importam com a repercussão de um julgamento frio que não contemple as necessidades do ser humano. Seu atuar que visava, ao mesmo tempo, impor a reprimenda e ressocializar o apenado, numa conjunção impecável, foi entendida da pior maneira. Seu senso de justiça, inspirado na máxima do jurista Eduardo Juan Couture, que diz “teu dever é lutar pelo Direito, mas se um dia encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça”, foi elevado ao status infame de infração disciplinar a ponto de lhe subtrair, momentaneamente, a toga, cuja conquista lhe valeu sacrifícios. Há de se esperar um julgamento justo porque ser humanista é virtude e não vício na visão irretocável de Aristóteles.
A dura missão do magistrado humanista (Tributo ao Juiz João Matos)
