Temática essencial principalmente para os profissionais do Direito, profissionais liberais e agricultores, que desejam conhecer o tão importante Registro e Cadastro de Imóveis Rurais, tema tão cotidiano quanto desconhecido, mas sem o qual não é possível conferir segurança jurídica que resguarde o consagrado direito de propriedade e das posses e ocupações legitimas.
Desta maneira, no Brasil, à medida que a terra foi sendo instrumentalizadas ao longo de diferentes governos, foram sendo criados Registros, Normas agrárias e Cadastros para inscrição e gestão de cada um deles, de forma distintas e individualizadas.
Como consequências desse processo e de iniciativa individualizada, ao longo da nossa história, a dificuldade na separação das terras públicas das terras privadas, a existência de sobreposição de títulos e os Cadastros e a não comunicação entre essas diferentes bases conformou o que chamamos de caos fundiário.
Destarte, o Caos Fundiário resulta numa grande confusão sobre a jurisdição de extensas áreas públicas, na Amazônia e em outras regiões do país, que permanecem até os dias de hoje desconhecidas, sem jurisdição definida ou ocupadas de forma ilegal, inclusive até com Registro fraudulentos em Cartórios.
Esse caos fundiário rural produzido tem por um lado, agravado a gestão fundiária no país e, por outro, facilitado a privatização de terras em diferentes momentos históricos, com apropriação e expropriação.
No que concerne à gestão fundiária, é importante discernir o que é um Registro Público de imóveis, que tem finalidade de conferir segurança jurídica às transações imobiliárias e atestar os direitos de propriedade, e os Cadastros de Terras que tem a função de caracterizar o imóvel e seus atributos sendo um instrumento de gestão territorial (FAO/SEAD, 2017, p. 88).
É importante esclarecer que Cadastro e Registro possuem funções complementares, mas têm naturezas distintas. Além do Registro de imóveis, existe no país uma multiplicidade de Cadastros Rurais com várias finalidades, administrados por órgãos distintos e com competências sobrepostas, que não se coadunam.
Com esse desgoverno e o descontrole estatal, a depender da situação do imóvel rural e no aspecto jurídico, ele pode estar num ou outro Registro ou Cadastro, ou seja, um imóvel pode estar registrado no Cadastro Ambiental Rural que tem fins de regularização ambiental e não estar registrado no Sistema Nacional de Cadastro Rural ou no Registro Geral de Imóveis, que tem finalidade fundiária.
Vale ressaltar, ainda, a invisibilidade rural, em que algumas áreas, inclusive, podem estar fora de todo o sistema de controle do Estado-União, como as terras devolutas e as remanescentes, que ainda não foram identificadas, discriminadas, arrecadadas e afetadas, situação comum nos nove Estados da Amazônia Legal.
Por outro lado, com essas congruências e devido à existência de títulos e registros fraudulentos, um mesmo imóvel rural pode apresentar mais de um título de propriedade, fato que já foi identificado pelas auditorias do Tribunal de Contas da União, do Tribunal de Contas dos Estados, e com recomendação de cancelamento pelo Conselho Nacional de Justiça, sem, entretanto, ter a certeza que foram cancelados pelos Tribunais de Justiça, visto que não tem como ter essa garantia, por ausência de um portal on line com essas informações.
Ademais, é importante salientar que o Registro da propriedade de um imóvel rural se dá no Cartório de Registro de Imóveis, que demonstra a dominialidade do imóvel, estando relacionada com a segurança jurídica e o direito à propriedade, visto a existência de sua documentação averbada, e que também não se tem acesso a essas informações nos Cartórios.
Diante deste cenário, no contexto brasileiro, cambaleamos nas dificuldades de controle, de monitoramento, de fiscalização e na padronização das operações dos Cartórios de Registros de Imóveis; na ausência de comunicação e integração dos Sistemas Cartoriais; em casos de corrupção e desmandos em cartórios por parte de elites locais, principalmente quando no Brasil há uma certa tradição de registros fraudulentos, que se perpetuou aos longos da nossa história, fato detectado até em CPI do Congresso Nacional.
O próprio INCRA, no ano de 1999, no Livro Branco da Grilagem, atestou que o total de terras sob suspeita de terem Registros fraudulentos são de cerca de 100 milhões de hectares.
Vale ressaltar que o Cadastro de imóveis rurais, além da sua localização geográfica, apresenta suas características físicas, visto que tem o objetivo de identificar e mapear as propriedades e as posses existentes em determinado bioma.
Apesar disso, até hoje não existe um Cadastro abrangendo a totalidade do território brasileiro. Para complexificar, hoje, as diferentes instituições brasileiras que administram a base fundiária não atuam de forma integrada e com normativas unificadas. Vale esclarecer que o Brasil apresenta dois modelos de Cadastros, que são os Fundiários e os Temáticos, que ainda complica mais a sua gestão e conexão.
Desta maneira no Cadastro Fundiário, existe para seu controle, o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), que gere as terras rurais públicas e privadas, que é administrado pelo INCRA.
É importante salientar que tentativas de conformação de um Cadastro de Terras, privadas e públicas, são antigas no Brasil, sem, entretanto, alcançar êxito quanto a unificação e o controle estatal.
A título de ilustração, em 1850, com a Lei de Terras, a formação de um Cadastro das Terras havidas em todo o território nacional já era uma aflição do estado, datando desta época a primeira tentativa de conformação de um Cadastro de Posses que ficava sob responsabilidade dos vigários de cada uma das freguesias, que eram a época os Registros Paroquiais ou Registros do Vigário.
Esse Registro Paroquiais ou Registros do Vigário não conferia título de domínio aos declarantes, que dependia de um longo processo administrativo, desta forma, muitas posses não eram regularizadas, devido as burocracias existentes e da ausência de mão-de-obra para operacionalizar o Registro.
Além disso, foi criado também um Registro de terras públicas com o escopo de identificar as terras públicas das privadas, contudo, pouco progresso foi alcançado com essa tentativa de organizar a propriedade da terra no Brasil.
A outra tentativa para demarcar as terras públicas, com obrigatoriedade da medição, demarcação e averbação das terras públicas em livro especial deriva do Decreto n.º 10.105, de 5 de março de 1913, e que dois anos depois o Decreto foi suspenso.
Com a Constituição de 1946 e, posteriormente, com o Decreto-Lei nº. 9.760, de 5 de setembro de 1946, tentou-se novamente dispor dos imóveis da União, promovendo a discriminação das terras devolutas, mas com pouco sucesso novamente.
Vale esclarecer que foi então, na década de 1970, na esteira do Estatuto da Terra, que o INCRA elaborou um novo Cadastro de Imóveis Rurais no ano de 1967, focando nos imóveis rurais e, em 1972, o INCRA realizou o Recadastramento dos Imóveis Rurais.
O INCRA tentou ainda, no ano de 1976, efetivar o processo de discriminação de terras públicas e privadas, processo que até hoje não conseguiu ser concluído, por inércia e ausência de vontade política.
Mesmo com fragilidades e inércia, o INCRA administra o Cadastro de Imóveis Rurais Brasileiros no âmbito do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) que é a base com situação e caracterização dos imóveis rurais para fins de reforma agrária e planejamento fundiário e agrícola. O cadastro, contudo, possui inúmeras fragilidades e incertezas, que asseveram ainda mais a insegurança jurídica.
No ano de 2001, foi implantado o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR), um projeto de Cadastro Territorial Rural com serviços de georreferenciamento de imóveis rurais que pretende articular as informações do SNCR e do Cadastro de Imóveis Rurais (CAFIR), administrado pela Receita Federal para fins tributários, numa tentativa de unificação do Cadastro de Imóveis e posses e de terras devolutas dos Estados e da União.
Ele tem como ferramentas o Sistema Nacional de Certificação de Imóveis (SNCI) e o Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), criado em 2013. Isso não será de fácil implementação visto que supõe a integração entre Cadastros e Bancos de Dados das diferentes instituições, que tem interesses e objetivos distintos.
Pelo SIGEF, gerido pelo INCRA, são efetuadas a recepção, a validação, a regularização e a disponibilização de informações georreferenciadas dos imóveis rurais públicos e privados. Este último substituirá o SNCI.
No ano de 2016 foi criada a ferramenta intitulada Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (SINTER) que tem o objetivo de integrar num único banco de dados as informações Registrais, Cadastrais, Fiscais e Geoespaciais de Imóveis Urbanos e Rurais. Ele pretendia ser um integrador de Cadastros, mas ainda está em fase de execução e planejamento. Será administrado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. Ele não interfere na autonomia da gestão cadastral do município ou do INCRA, nem na atribuição legal dos cartórios.
Por sua vez, os Cadastros Temáticos também incidem sobre o imóvel rural, mas olham para diversos atributos, sendo administrados por diversos órgãos de tributação, ambiental, fiscal, fundiário, dentre outros.
Com relação aos imóveis rurais, existe ainda o Cadastro de Imóveis Rurais (CAFIR), controlado pela Receita Federal para cobrança de impostos e tributos.
Existe no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, na Superintendência do Patrimônio da União (SPU), o Sistema Integrado de Administração Patrimonial (SIAPA), que registra as propriedades da União, incluindo as terras devolutas discriminadas.
No Ministério do Meio Ambiente, atualmente existe o Cadastro Nacional das Unidades de Conservação (CNUC) sob a responsabilidade do ICMBio, que contém informações sobre unidades de conservação dos três níveis de governo e por particulares.
Conforme dispõe o artigo 43, do Decreto n.º 11.349, de 1º de janeiro de 2023, o Cadastro Nacional de Florestas Públicas da União bem como o Cadastro Ambiental Rural, são coordenados pelo Sistema Florestal Brasileiro (SFB).
Com relação ao Cadastro de Terras Indígenas, está a cargo da FUNAI, bem como o de assentamentos rurais federais fica a cargo do INCRA.
Ademais, nos governos estaduais, existem os Institutos Estaduais de Terras que tem a função de gerir as terras devolutas e remanescentes dos Estados, mas poucos possuem Cadastros próprios, ao mesmo tempo em que pode haver Cadastros de Unidades de Conservação estaduais e de outras áreas públicas.
Além desses Cadastros, ainda tem nos órgãos militares, Cadastros que concentram áreas destinadas para fins de defesa e segurança nacional, que são as áreas de fronteiras.
Vê-se, portanto, um caos entre Cadastro e Registro, que não se coadunam e somente complicam ainda mais o caos fundiário e ambiental no país, confirmando a tese de que o objetivo do Estado-União são sempre arrecadatório, fiscal, tributário, negocial, e não de provocar uma Governança de Terra, que garanta harmonia entre o fundiário e o ambiental, que possa celerizar a regularização fundiária rural e a obtenção do licenciamento ambiental, com plena segurança jurídica. Esse quadro de incerteza afasta investidores para o país.
Para concluir, é lamentável que as casas de leis, o poder judiciário, e os órgãos de controle social, recepcionem que cada norma nova somente tenham um olhar para a frente, e que, portanto, não se quer regularizar o que estava errado no passado, desta maneira, ignorou-se e tapou-se o sol com a peneira e algumas coisas erradas do passado ainda ecoam os seus gritos no presente, e que venham novos marcos temporais e exclusão de cláusulas resolutivas, para legalizar as ilicitudes.