Olá, meus amigos! Hoje, na coluna Emdireito, vamos aprofundar uma reflexão sobre um tema que marca presença constante nos debates jurídicos, políticos e sociais: as ações afirmativas no Brasil e no mundo, especialmente no acesso às universidades e concursos públicos. O assunto, que envolve igualdade material, justiça social e direitos fundamentais, desperta paixões, controvérsias e, sobretudo, traz desafios concretos de implementação.
- O que são ações afirmativas?
Ações afirmativas são políticas públicas compensatórias ou promocionais, criadas para corrigir desigualdades históricas sofridas por determinados grupos sociais. O objetivo é garantir não apenas a igualdade formal — prevista em lei — mas também a igualdade material, que se traduz em oportunidades reais de acesso à educação, ao mercado de trabalho e à cidadania plena.
No Brasil, o exemplo mais conhecido são as cotas raciais e sociais em universidades e concursos. Mas ações afirmativas não se limitam a esse campo: abrangem, por exemplo, incentivos fiscais para contratação de pessoas com deficiência, programas de acesso de mulheres em áreas sub-representadas, e até mesmo políticas de inclusão digital.
- A matriz constitucional da igualdade
O ponto de partida para entender a legitimidade das ações afirmativas está na Constituição Federal de 1988.
- Art. 5º, caput: todos são iguais perante a lei.
- Art. 3º, inciso IV: um dos objetivos fundamentais da República é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
- Art. 7º: direitos sociais voltados à redução das desigualdades no mercado de trabalho.
A igualdade prevista na Constituição não é apenas formal. O Supremo Tribunal Federal tem reiterado que ela é material e substancial, permitindo a criação de políticas diferenciadas que busquem compensar desvantagens históricas de determinados grupos.
- As leis mais importantes sobre ações afirmativas
- Lei 12.711/2012: instituiu as cotas em universidades e institutos federais. Prevê a reserva de 50% das vagas para alunos de escolas públicas, considerando ainda critérios de renda, raça e deficiência.
- Lei 12.990/2014: estabeleceu a reserva de 20% das vagas em concursos públicos federais para candidatos negros.
- Lei 14.723/2023: atualizou a Lei de Cotas, prorrogando sua vigência por mais 10 anos, com ajustes nos percentuais e critérios, após amplo debate legislativo.
Essas leis formam o núcleo normativo das ações afirmativas no Brasil, em harmonia com compromissos internacionais assumidos pelo país, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (ONU, 1965).
- Jurisprudência do STF e dos tribunais superiores
O STF é protagonista nesse debate. Em 2012, no julgamento da ADPF 186 e do RE 597.285, a Corte declarou a constitucionalidade das cotas raciais, afirmando que elas não violam o princípio da isonomia, mas o concretizam.
Mais recentemente, o STF e o STJ têm se debruçado sobre:
- Autodeclaração racial e comissões de heteroidentificação: para coibir fraudes, tribunais validaram a adoção de bancas presenciais que verificam a veracidade da autodeclaração.
- Fraudes em concursos e vestibulares: candidatos que tentam se beneficiar indevidamente das cotas têm sido excluídos dos certames, em nome da moralidade administrativa.
- Cotas para pessoas com deficiência: o Judiciário tem reforçado a obrigatoriedade de adaptação de provas e reserva de vagas, garantindo inclusão efetiva.
- Panorama internacional
O Brasil não está sozinho nesse debate.
- Estados Unidos: em 2023, a Suprema Corte decidiu restringir o uso de critérios raciais em admissões universitárias, revertendo uma tradição de mais de 40 anos. A decisão foi criticada por movimentos sociais, que enxergam nela um retrocesso nos direitos civis.
- África do Sul: adota políticas de “Black Economic Empowerment” para reparar os efeitos do apartheid, com cotas em educação e empresas.
- Índia: reserva vagas em universidades e empregos públicos para castas historicamente marginalizadas, política que gera controvérsias até hoje.
- Canadá e países europeus: aplicam políticas afirmativas mais brandas, voltadas sobretudo à inclusão de mulheres e imigrantes em áreas específicas do mercado de trabalho.
Esse comparativo mostra que o tema é global, e que não há modelo único. Cada país adota medidas conforme seu histórico de desigualdade.
- Críticas às ações afirmativas
As críticas mais comuns são:
- Temporalidade: ações afirmativas não podem se tornar permanentes, sob pena de cristalizar distinções artificiais.
- Fraudes: a autodeclaração racial sem mecanismos de controle gerou inúmeras tentativas de má-fé.
- Suposta injustiça reversa: alguns argumentam que as cotas prejudicam candidatos que não pertencem aos grupos beneficiados.
O STF já respondeu a essa crítica ao afirmar que não há “injustiça reversa” quando a política pública visa equilibrar condições historicamente desiguais.
- Impactos sociais
Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que, desde a adoção das cotas em 2012, houve aumento expressivo da presença de negros, indígenas e pessoas de baixa renda nas universidades federais. Além disso, os índices de evasão não aumentaram, ao contrário do que muitos previam.
No serviço público, a Lei 12.990/2014 ampliou significativamente a presença de negros em cargos de nível superior, promovendo maior diversidade no Estado brasileiro. - Desafios atuais
- Combate às fraudes: reforçar bancas de heteroidentificação e mecanismos transparentes de verificação.
- Fiscalização em concursos: garantir que a reserva de vagas seja cumprida, inclusive em estados e municípios.
- Inclusão efetiva de pessoas com deficiência: com adaptações reais de acessibilidade.
- Qualidade do ensino médio público: sem fortalecer a base, as cotas podem ser apenas medidas paliativas.
- Temporalidade responsável: definir prazos e metas claras para avaliar a necessidade de manutenção ou ajuste das políticas.
- Reflexão final
As ações afirmativas não são privilégios. São ferramentas de justiça social que buscam reparar um passado de exclusão e construir um futuro de oportunidades reais. O Brasil, ao renovar sua política de cotas em 2023, mostrou maturidade democrática, mas também assumiu novos desafios: combater fraudes, garantir inclusão efetiva e avaliar periodicamente os resultados.
Mais do que uma medida transitória, as ações afirmativas são um convite à sociedade para pensar em igualdade para além da lei, construindo uma cidadania inclusiva, plural e democrática.
Até domingo que vem, meus amigos! Para continuar acompanhando nossas reflexões jurídicas e sociais, me sigam nas redes sociais: @andrelobatoemdireito.