Jogos fazem parte do cotidiano moderno, seja em consoles, celulares ou sites de apostas. Para a maioria das pessoas, representam diversão e distração. Mas, para um número crescente de brasileiros, o jogo tem se transformado em vício, trazendo graves consequências para a saúde mental, física e financeira.
A facilidade de acesso com um celular na mão, cartão de crédito e internet rápida transformou qualquer espaço em um possível ambiente de apostas. O estímulo constante, a promessa de recompensas imediatas e a estética colorida dos jogos são cuidadosamente planejados para prender a atenção e provocar dependência.
A OMS reconheceu oficialmente o transtorno por jogos como doença em 2018.Estima-se que cerca de 3% a 8% dos brasileiros apresentem sinais de vício em jogos, segundo estudos da Fiocruz. Em adolescentes, os dados são ainda mais alarmantes: até 10% mostram sinais de comportamento compulsivo ligado a jogos.
As apostas online cresceram mais de 300% nos últimos cinco anos no Brasil, impulsionadas por publicidade em redes sociais e influenciadores digitais. O jogo do tigrinho, por exemplo, já soma milhões de downloads e é constantemente promovido por criadores de conteúdo.
Dados da plataforma SimilarWeb indicam que os sites de apostas estão entre os mais acessados do país, muitas vezes superando portais de notícias ou plataformas de streaming.
Sinais da compulsão por jogos?
O problema começa de forma sutil. O tempo de jogo aumenta, o controle diminui, e aos poucos o prazer vira necessidade. Sete sinais frequentemente reconhecidos nos jogadores compulsivos.
- Incapacidade de parar mesmo com prejuízos pessoais ou financeiros
- Irritabilidade ao ser interrompido ou impedido de jogar
- Negligência com sono, alimentação ou obrigações
- Dívidas geradas por apostas
- Isolamento social progressivo
- Sentimentos de culpa e vergonha após episódios prolongados de jogo
- Tentativas fracassadas de parar ou reduzir o tempo gasto jogando
Nos últimos anos, o Brasil vive uma explosão dos jogos de aposta online. Plataformas como o “jogo do Tigrinho”, com suas luzes piscantes e promessas de dinheiro rápido, são armadilhas para quem busca lucro fácil.
As chamadas “bets”, apostas esportivas feitas por celular, também cresceram vertiginosamente. Muitas operam sem regulação adequada, atraindo jovens com promessas falsas. Segundo estimativas do setor, mais de 50 bilhões de reais já circulam em plataformas de apostas no Brasil por ano.
O problema: muitas dessas empresas usam técnicas de manipulação comportamental, como recompensas intermitentes e reforços visuais, semelhantes às utilizadas em cassinos.
Além disso, há o risco de uso indevido de dados pessoais e incentivo ao endividamento precoce. Em alguns estados brasileiros, há relatos de adolescentes de 13 e 14 anos já endividados por conta de apostas feitas em plataformas acessadas por meio de redes sociais.
O vício em jogos digitais ou de aposta afeta o corpo e a mente com ansiedade e depressão. Problemas de sono e insônia afetando o rendimento escolar e profissional. Isolamento social, conflitos familiares e endividamento podem levar a quadros de desespero, inclusive pensamentos suicidas.
Em crianças e adolescentes, há casos de automutilação associada à frustração com jogos. Em adultos, há relatos crescentes de perda de emprego, separações conjugais e tentativa de suicídio.
Quais os tratamentos?
Psicoterapia, especialmente a terapia cognitivo-comportamental e acompanhamento psiquiátrico quando há depressão, ansiedade ou outros transtornos associados.
Pode-se lançar mão de grupos de apoio como os Jogadores Anônimos e intervenção familiar, com apoio e estruturação de limites digitais.
Também é importante que haja regulação e fiscalização mais rigorosas, especialmente para plataformas que usam marketing agressivo e influenciam crianças e adolescentes. O papel das escolas, igrejas e unidades de saúde é fundamental para identificar casos precoces e oferecer suporte.
Em resumo, é fundamental que escolas, famílias e profissionais de saúde estejam atentos. A compulsão por jogos é uma questão de saúde pública, ainda mais relevante com a digitalização precoce da infância e com jogos de azar disfarçados de aplicativos.
Mais do que proibir, é preciso educar e construir autonomia emocional nas crianças, jovens e adultos, podendo o jogo continuar existindo como diversão, desafio e passatempo.