Sem anjos imigrantes, Los Angeles estaria vazia. Toda a região do deserto inclemente foi vencida graças aos esforços dos migrantes e imigrantes.
Os migrantes foram os americanos desbravadores que, armados com coragem e determinação, marcharam para o Oeste com a esperança de ocupar terras e lançar-se à sorte no garimpo de ouro. Havia mexicanos ali, quando os imensos territórios foram anexados pelos Estados Unidos – aos quais se reuniram muitos outros imigrantes, que cruzaram as fronteiras nos anos seguintes.
Aquela tanto é uma região de imigrantes que são de origem espanhola o nome da maior cidade californiana (Los Angeles) e da sua capital (Sacramento).
A Califórnia é o estado americano que tem o maior PIB – Produto Interno Bruto. Sozinha, superou o Japão e seria a 4ª maior economia do mundo, apenas atrás dos Estados Unidos, Alemanha e China. Se fosse um país, o vizinho Texas seria a 8ª maior economia mundial. Aliás, próspera é a região integrada por esses dois estados e, também, pelo Novo México. Tanto dinheiro com o agronegócio e petróleo estão ligados à essa raiz histórica e cultural e, de fato, os três estados têm muita força, muito poder.
Assim, as atuais políticas nacionais de resistência ou, até, repressão aos imigrantes, pode atingir mais do que parte da mão de obra corrente, rompendo, mesmo, com um elo desses casamentos historicamente arranjados entre tantos imigrantes que formaram aquele pujante país, visto que não formou a sua sociedade dominante com a base dos seus indígenas, mas com aqueles que cruzaram o Atlântico para formar, de início, as 13 colônias, levando-as, em seguida, a se ampliar, nos processos que conhecemos da sua história de expansão e conquista. Eram escoceses, irlandeses e ingleses; eram italianos e povos de língua germânica; eram japoneses e latinos; eram pessoas de tantos lugares que os Estados Unidos chegaram a ser conhecidos como o “berço dos imigrantes”.
Essas recentes iniciativas governamentais contra imigrantes podem levar a dois caminhos indesejados: um, relativo ao esvaziamento da mão de obra e força de trabalho em vários seguimentos importantes da vida econômica local, porquanto há postos que são tradicionalmente ocupados por imigrantes, naquela sociedade; outro, com eventuais desdobramentos dos atos governamentais recentes, que parecem mais acender o estopim da pólvora do que cortar o fio do detonador.
Na raiz disso está o fato de que Los Angeles foi o epicentro de importantes movimentos de resistência ao status quo, local, nos últimos 30 anos. Quem não se lembra dos fortes distúrbios havidos em 1992, após a absolvição de policiais brancos e hispânico que foram acusados de agredir o motorista Rodney King? Na época, a Guarda Nacional da Califórnia destinou efetivo de 4.000 soldados para ajudar a pacificar Los Angeles e garantir a segurança de todos, devido à onda de saques e tumultos. O fato, marcante, foi explorado na defesa de O. J. Simpson.
Outra situação importante envolveu Notorius B.I.G., rapper que foi baleado em Los Angeles em 1997, quando, novamente, protestos tomaram as ruas da cidade.
Por isso é tão importante que se tenha atenção aos detalhes, acerca dessas recentes ações do governo federal americano contra imigrantes e anti-imigração. Em Los Angeles esse contexto fez renascer o calor da multidão nas ruas, como se viu em 1992 e 1997. As manifestações se iniciaram após rumores de prisões de imigrantes, que estariam sendo detidos em estacionamento de loja de material de construção. A reação policial foi violenta. A região ficou sem dono.
Potencialmente, talvez este seja o momento mais sensível e que, por isso mesmo, mais possa descambar para um resultado imprevisível, pois, em meio ao caos crescente, tendendo a frear o que ocorria nas ruas, o Presidente Trump convocou a Guarda Nacional da Califórnia.
Essa medida pareceu colocar mais lenha na fogueira, maculando a origem da Federação dos Estados Unidos, que é baseada na antiga Confederação, onde cada Estado tinha grande autonomia. Culturalmente, essa filosofia ainda tem forte reflexos no pensamento do que constitui a sua moderna Federação.
Assim, a convocação da Guarda Nacional – sem combinar com o Governador da Califórnia – parece ter aberto ferida no sistema político nacional. Talvez isso não ficasse tão grave, se o governador californiano, democrata, não estivesse esticando a corda.
A propósito, se os atuais imigrantes forem seguidos por outros, um pouco mais antigos e estes, por aqueles ainda anteriores, quem sobrará naquelas terras? Uma medida serve para medir os que se qualificarem como tal, não podendo ser usada seletivamente. Num extremo purista, se todos os imigrantes dali fossem atingidos, não sobraria ninguém…
Nessa linha, a posição jurídica pode ser diferenciada da qualidade jurídica exatamente pelo fato de que a primeira é temporária e a segunda definitiva. Assim, os imigrantes de origem latina, de ontem e hoje, podem ser os nacionais de amanhã, naturalizados, integrados à vida econômica e político-social, do mesmo modo que ocorreu com os ingleses, escoceses, irlandeses e outros europeus, que foram para a américa no início do século XX e tanto colaboraram na época da 2ª Guerra Mundial e no reerguimento da sua economia.
Por fim, a luta política pode levar a algo não pensado por nenhum dos envolvidos diretamente na questão. O que aconteceria se os três estados da região – Califórnia, Novo México e Texas – resolvessem se unir contra a União e levar o que se inicia à extrema situação de secessão? Imaginemos o que seria da união entre esses três estados, num só país, independente? A força do seu PIB? Como ficariam os demais estados da federação americana, órfãos e sem essa potência?
O renascer de uma nova guerra de secessão é algo não desejado pelas forças dominantes locais mas que pode se tornar uma nova agenda, caso os conflitos cresçam e cresçam nas ruas, na justiça e nas tribunas, pois o imenso conglomerado de pessoas, que forma a população daqueles três estados, está profundamente ligado a uma identidade social e política que, é crível, não sairá imune se vier a ser amputada essa forte e vibrante parcela da população contra a qual se insurge o governo federal – tenha ou não bons motivos.
SECESSÃO EM LOS ANGELES, SEM ANJOS IMIGRANTES?
