Há poemas que não apenas se leem — eles se habitam. “Traduzir-se”, de Ferreira Gullar, é um desses artefatos da sensibilidade humana que atravessam fronteiras e se instalam no íntimo. Sua força reside na simplicidade existencial de um dilema eterno: “Uma parte de mim é todo mundo; outra parte é ninguém: fundo sem fundo.” Ao ouvir a interpretação de Fagner, esse verso ganha corpo, voz e densidade emocional. O cantor, com sua característica expressividade, enfatiza o movimento interno entre permanência e mudança:
“Uma parte de mim é permanente; outra parte, se sabe, de repente.”
Essa oscilação, tão humana, nos apresenta o tema central deste artigo: a vida como arte e o ser humano como obra em permanente construção.
A Arte de Reconhecer-se em Partes
A Programação Neurolinguística (PNL), em especial por meio do dispositivo conhecido como “Mesa do Rei”, oferece uma metáfora poderosa para entender essa dança interna. Segundo essa ferramenta, cada indivíduo é constituído de “partes”:
• partes que desejam,
• partes que temem,
• partes que defendem,
• partes que sabotam,
• partes que avançam.
A vida psíquica é um mosaico vivo. Quando essas partes entram em conflito, o ser humano sente-se fragmentado; quando dialogam, ele passa a experimentar harmonia e direção.
O poema de Gullar ecoa essa humanidade multifacetada. Somos uma reunião de partes tentando se entender — uma mesa interna onde personagens, emoções, impulsos e memórias pedem espaço para se expressar. A obra se torna, então, a vida em sua forma mais autêntica: feita de contrastes.
Plasticidade: A Obra que Nunca Termina
A grande descoberta das neurociências — e aqui a PNL dialoga profundamente com a ciência — é que o cérebro não é estático. Ele se reorganiza, refaz trilhas, desenvolve rotas alternativas.
Esse fenômeno, a neuroplasticidade, permite ao ser humano:
• transformar comportamentos,
• ressignificar dores,
• refinar percepções,
• criar novas respostas emocionais,
• reinventar-se quantas vezes forem necessárias.
A repetição consciente e intencional, tão defendida nos métodos terapêuticos modernos, refaz caminhos neurológicos. Como na arte, cada traço repetido aprofunda um estilo, revela uma identidade, depura o excesso. Assim também a vida — um exercício contínuo de burilar o próprio ser.
Quando o indivíduo compreende esse processo, ele deixa de se ver como vítima das circunstâncias e se reconhece como artesão de si mesmo, autor da própria existência.
O Alquimista Interior: Terapia como Obra de Arte
Os métodos terapêuticos, incluindo a PNL, a neuropsicopedagogia, a inteligência emocional e as práticas integrativas, oferecem instrumentos para ativar o “alquimista interior”.
Esse alquimista não transforma chumbo em ouro, mas transforma:
• trauma em força,
• medo em movimento,
• dor em consciência,
• dúvida em ação,
• caos em significado.
É nesse ponto que vida e arte se encontram.
A arte sempre foi o espaço onde o humano se recria.
A terapia, por sua vez, oferece o estúdio interno, o atelier da alma onde o sujeito pode experimentar novas formas de ser e existir.
Quem desperta para esse processo sai do terreno estéril da culpa.
Deixa de observar o mundo como inimigo.
Para de buscar fora o que precisa ser cultivado dentro.
E assim inicia a maior de todas as viagens: a viagem infinita em direção a si mesmo.
Vida e Arte: o Ser que se Reescreve
Vida e arte são irmãs — ambas invocam criação, transformação, expressão e sentido.
E como diz Gullar, traduzir-se é tarefa eterna. Não há tradução definitiva do ser: há versões, camadas, fases, partes que se revelam e outras que se despedem.
Cada vez que um ser humano escolhe olhar para si com coragem e ternura, ele acrescenta uma nova cor à sua tela interior.
Cada vez que pratica um método terapêutico com disciplina, repete um gesto que fortalece novas conexões neurais.
Cada vez que assume responsabilidade por sua existência, ele dá mais um passo rumo à sua obra-prima: ele mesmo.
A arte da vida, portanto, não está em ser perfeito — mas em ser consciente.
Não está em encontrar todas as respostas — mas em formular perguntas que ampliem horizontes.
E não está em evitar o sofrimento — mas em transformar a dor em caminho.
Como ensinou Gullar, cada um de nós vive o eterno paradoxo de ser múltiplo.
Como ensina a neurociência, cada um de nós pode moldar sua própria história.
E como ensina a PNL, cada parte interna pode ser integrada, reconciliada, ressignificada.
Vida e arte se encontram no instante em que decidimos, finalmente, traduzir-nos.

