Há famosa história, na qual hienas armaram com o leão rancoroso e assumiram o poder. Mesmo ali, no mundo das fabulações infantis, o despreparo e a sede de vingança levaram o reino à bancarrota e logo estavam todos a roer os ossos. A fartura deu lugar à escassez. A beleza se foi, sucedida por cenários de seca e devastação. Os novos donos do poder, alheios a tudo, usufruíam dos frutos da conquista. Este enredo serve como modelo a se encaixar a qualquer lugar, país ou tempo.
Isso exemplifica que a luta pelo poder nem sempre foi em torno das melhores ideias e propostas para o povo ou reinos e países. O ego foi mal conselheiro, sempre. Muitos lutaram para fazer valer teorias que na prática soavam como utopias.
Desde a tensão entre a rainha escocesa Mary Stuart e a inglesa Elizabeth I, até elementos das revoluções conhecidas, dos tratados rompidos e das traições em família, vivemos como observadores, sentados na arquibancada, comendo petiscos e torcendo, enquanto na arena apropriada alguns lutam como gladiadores por uma vitória, nem sempre honrosa e muitas das vezes apenas focada nas questões do ego e vantagens pragmáticas.
Longe se vai o tempo de Romeu e Julieta e mais se percebe que a pureza romântica cede lugar a um vazio, repleto de interesses em vantagens.
A onda democrática veio com apoio nos valores e propósitos mais elevados. É fácil perceber que há similitude entre a Declaração da Independência dos Estados Unidos e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – de 1776 e 1789, respectivamente. Assim, se entrelaçam a Revolução Francesa e a democracia americana.
Os primeiros, puritanos, impuseram a sua força, muito sob a influência da teoria do “Destino Manifesto”, como povo escolhido. Atribuía-se benefícios que simplesmente negavam aos demais. Unidos a isso, vinham com a roupagem dos vitoriosos reformistas em contraste com os tradicionais credos e da caridade.
A democracia moderna trouxe consigo a força da liberdade econômica, do valor do trabalho livre e da independência de pensar e de agir. No seu curso, fazendo incidir a sua força, também vieram os grandes capitalistas e uma sucessão de pensadores, filósofos e cientistas e inventores, numa era de enormes transformações.
Todavia, se na superfície há fervorosos defensores da igualdade e das demais virtudes, parece que há uma zona cinzenta agindo por detrás, com forças lutando pelo poder, como sempre fizeram, além do significativo som das caixas registradoras indicando acumulação de riquezas, contudo de modo diferente daquela dos senhores feudais e dos antigos absolutistas, que foram substituídos pela livre iniciativa e pela contratação de mão de obra e não exploração dos servos. São aquelas fruto dos grandes mercados e das redes de transporte ferroviário, marítimo e dos grandes armazéns e da escala industrial na produção de roupas, carros e facilidades das quais hoje sequer imaginaríamos viver sem. Os últimos séculos trouxeram transformações: nada mais é como antes; nada seria jamais como outrora.
Entretanto, a história não apagou as atrocidades praticadas em nome do bem comum, nos belos discursos proferidos nos mais caros salões. Hoje, não é muito diferente, pois continua vigendo o ditado popular, que diz que manda quem pode e obedece quem tem juízo. Além disso, acrescentaríamos que se faz mudanças para nada mudar, enquanto os donos do poder continuam mais donos e mais poderosos.
Os mercados capitalistas forçaram a sua passagem e exigiram povos libertos da pressão dominadora das colônias. No panelão onde tudo isso se misturava, mais países independentes, embora novos e fracos ainda e muitos endividados com a própria independência recém conquistada. Eram alvos fáceis para a influência estrangeiras, via empréstimos e fornecimento de comida e outros produtos. Prato feito para a expansão dos poucos países dominadores, de quem se tornaram financeiramente dependentes – para a posteridade!
A nossa dívida, a propósito, continua a aumentar e, em 2023, já chegou a 74,% do PIB (O Globo, 08.2.2024). A coleira aperta e, enquanto leões e hienas brigam por seu lugar ao sol, seguimos como Nação a flexibilizar parcelas de Soberania para uma sobrevida e levando cerca de 20% da população a depender de programas assistências em vez de obrar para uma revolução produtora. Isso não se afasta, conceitualmente, do que em 1995 deliberaram os maiores líderes mundiais, no hotel The Fairmont, na Califórnia – EUA, nos mantendo presos a um quadro meio que “nem vai nem fica”, enquanto, admirados, observamos os índices percentuais de crescimento de outros países. O país do futuro continua sendo isso mesmo.
A educação talvez seja bom exemplo representativo das armadilhas às quais estamos presos. Os investimentos do governo federal com a educação básica cairam de 37 bilhões em 2012 para 11,3 bilhões em 2023. Uma redução de mais de 2/3, segundo a Consultoria de Orçamento da Câmara e do Senado (https://www.camara.leg.br/internet/agencia/infograficos-html5/tabelas-emendas/evolucao-gastos-educacao.html), que também aponta diminuição dos recursos com o ensino profissionalizante e o ensino superior. O contexto cria uma armadilha político-econômica e a conta chegará, adiante e, para essa consideração, devemos relembrar que os coreanos tinham piores índices do que os nossos, há 35 anos, estando melhores e “3 vezes mais ricos”, hoje (https://novo.org.br/explica/o-exemplo-da-educacao-na-coreia-do-sul/).
As lições se repetem, não são aprendidas e seguimos, inocentemente, fingindo não enxergar e não aprendendo com a história. Entretanto, a nossa vida está no plano da realidade e no tempo presente, como fruto das escolhas – boas ou más – do passado político. Não se trata de mundo fantasioso das histórias. As consequências são reais, no plano individual, familiar e social e nacional. Os povos vêm sofrendo com falta de reciprocidade dos governos e governantes, mais preocupados com reformas da estrutura dos estados, como a previdenciária e a administrativa, assim desmontando-se para sobreviver mais um pouco diante das exigências dos credores e de influentes organismos internacionais, como o Banco Mundial e o FMI.
O Estado, assim, embora seja ficção jurídica criada para proteger e atender aos seus nacionais, vem atuando como um ente gordo, guloso e avesso a quem deve servir, como espécie de criatura que se volta contra o criador, se equilibrando ante forças externas e encastelando gestores. O capital, sem pátria e fluído, se vale das brechas, para se espalhar, crescer e prosperar, enquanto as hienas e os leões brigam, expõem as suas diferenças, realizam eventuais lutas fratricidas ou se encontram em faustosos banquetes para rir e comemorar – juntos.