Negro Cosme, como era chamado, tinha um ideário de educação e liberdade, lutou na guerra da Balaiada e contra a escravidão e terminou mártir e enforcado sem direito à anistia, chamado de “infame”.
Na busca da necessária, atrasada e cada vez mais urgente reparação dos crimes e das agressões que os negros sofreram e sofrem no Brasil, sempre destaquei o papel importantíssimo que teve esse herói maranhense.
Assinava-se Dom Cosme Bento Pedro das Chagas, Tutor e Imperador das Liberdades Bentevis. Era escravo fugido e organizador de quilombo — no da Lagoa Amarela, no Brejo, viviam três mil negros —, pioneiro da ideia de que a educação é instrumento de liberdade. A revolta dos negros — estávamos na década de 1830 — se alastrava já por grande parte do Maranhão. Caxias, Codó, Itapicuru eram atacadas. O governo reagia com violência, destruindo os quilombos, premiando quem prendia ou expulsava os fugitivos.
Em 1838 forma-se a Balaiada, a mais autêntica e popular das revoluções do povo brasileiro, porque não tinha chefe, não tinha organização, não tinha ideário. Era a revolta pela revolta, a revolta espontânea contra a injustiça e a pobreza. Dela se destacaram apenas três nomes: Raimundo Gomes, o Cara Preta, Manuel dos Anjos, o Balaio, e Cosme Bento — todos vítimas de abusos e violências.
Cosme surge já como um grande líder, à frente de milhares de homens. Diz Ribeiro do Amaral: “Evadido das cadeias da capital, tido e havido por feiticeiro, e gozando por isso de grande ascendente entre os de sua raça […] tornando-se o terror das fazendas por onde passava.”
E Domingos Gonçalves de Magalhães: “O negro Cosme […] dava títulos, postos, estabeleceu uma escola de ler e escrever, e aquilombado nas cabeceiras do Rio Preto, comarca do Brejo, na fazenda Lagoa-Amarela, tinha piquetes avançados e mandava partidas roubar e insurrecionar as fazendas circunvizinhas.” Mas Cosme só aparece como parte da Balaiada no combate às tropas do governo em 1840.
O ponto de união da Balaiada era uma mistura de nacionalismo com inconformismo com o governo local, expresso num pequeno jornal O Bentevi, provavelmente de Estevão Rafael de Carvalho. Os rebeldes usavam, em seus manifestos, o nome de Partido Bentevi — que era uma abstração —, sempre se dizendo fiéis ao Imperador.
O último Regente, Pedro de Araújo Lima, enfrentou com dureza a Revolução Farroupilha, a Cabanagem, a Sabinada, a revolta de Manuel Congo — líder negro de Vassouras — e a Balaiada. Para esta promoveu a coronel e enviou Luís Alves de Lima e Silva, chefe de polícia do Rio de Janeiro: seria Presidente da Província e Comandante de Armas do Maranhão. Foi brilhante e violento. Anistiou e enforcou, venceu. Tornou-se Barão de Caxias.
Anota Ribeiro do Amaral: “Por emissários foi informado [o Presidente] que Francisco Ferreira Pedrosa ou Poderosa, chefe de cerca de mil e seiscentos facciosos acoitados na Bela-Água, desejava entregar-se […]. Sabedor disso mandou […] certificar-lhe que o aceitaria com a condição de […] que fosse bater os negros e depois se apresentasse. Assim ele obrou. Os negros em debandada e fugitivos, depois do ataque da Lagoa-Amarela, correram para a Bela-Água, cuidando ali achar apoio, e encontraram a morte e a sujeição. Foi sempre política do Presidente impedir a junção dos rebeldes com os escravos, indispondo-os contra os segundos.”
Era a hora da política da pacificação e da ordem. Desde novembro eram distribuídas cópias dos decretos de anistia. Em Miritiba entregava-se Raimundo Gomes. Declarava-se encerrada a Balaiada, com anistia a milhares de revoltosos.
Mas não a “o infame negro Cosme” (sic). Todas as forças se lançaram contra ele. Em fevereiro de 1841, em Calabouço, no Mearim, rendia-se Cosme Bento das Chagas, “esta fera que só de humano tem a figura” (sic). Entre 19 e 25 de setembro de 1842 foi enforcado em Itapecuru. Seu crime foi não aceitar a escravidão, foi querer a liberdade, foi querer educar uma comunidade negra.